domingo, 14 de agosto de 2022

 


*Arte de Dizer*

Entre outras coisas,

falar sobre sopas, sopros e lágrimas.


Quando me expresso,

não aspiro parecer com terceiros,

embora em muitos me inspire.

Todavia, por mais esforço faça em ser inédito,

despenco sempre, no lugar comum das palavras vãs.

 

Meu intento é inalcançável.

Apesar disso, insistente e despeitado,

abandono-me aos maus tratos da memória,

malgrado a mesma ser incapaz

de grandes feitos com poucas palavras.

 

Sei não viver nas nuvens.

Aprecio-as à distância.

Mas, gostaria de reconhecer-me em algo

nunca escrito, nunca dito, nunca lido nem vivido.

 

Gostaria de ser surpreendido e surpreender,

cartas à mesa sobre o verde pano das apostas,

em jogo sem coringas

no qual todos sejam vencedores.

Ouvintes e prosadores,

comensais e escritores,

cozinheiros de palavras.

 

Por isso e para isso, vinculei-me

ao inovador e poético coletivo

de escritores e escritoras são-gonçalenses.

 

Jogo sem trampa, sem escamoteio nem blefes.

Gente ligada às palavras que, ao ordenar letras,

soletra no tabuleiro-vida pensares

a exigir atenção à movimentação das pedras do xadrez.

 

Aquela torre imóvel,

postada a um dos cantos do tabuleiro,

visível ameaça de um xeque-mate,

é porta a ser trancada para evitar-se o golpe final

e, assim, prossiga o jogo, em redobrado prazer.

 

Horas em giro,

caneta em traços,

texto encerrado,

tabuleiro guardado,

mesa arrumada,

sopa fervente,

pratos servidos.

........................................................................

 

Agora é tempo do ranger das rodas da literatura,

carreta a ser tracionada por nós mesmos.

O combustível?

Boas prosas...  Inspiradas poesias...

 

Tal qual, em noites de conversas reveladoras,

embalados na malemolência de prazeres nutridos por nossas lembranças.

Recordações insufladas pelos benfazejos sopros,

saídos de bocas velhas de nossos antepassados.

 

Falei de sopros?

Ah! A magia dos sopros!

Fantasia presente em nossas vidas.

 

O sopro da mãe no dodói da criancinha.

Vai passar! Vai passar!

 

O sopro do pajé,

suspirando a Tupã

sucesso no próximo combate.

 

O sopro da vida dada

ao homem-barro,

como reza a lenda.

 

O sopro suspirado,

ao ouvido de alguém,

pondo ordem às letras E, U, T, E, A, M, O.

 

O sopro em lágrimas abafado,

por não haver vivido

os derradeiros dias de meus pais.

.......................................................................................

 

Falei de lágrimas?

Ah! A magia das lágrimas!

           Ao contrário das mulheres - mais emotivas - sou cartesiano.

Penso que isto prenda-se o fato

de os homens terem

na poesia

a fórmula mágica,

oriunda da força das palavras,

para acobertar seu racionalismo

e, vezes muitas,

para externar emoções embargadas na garganta,

a camuflar arredias lágrimas.

Homem não chora! diziam os mais velhos.

Ledo engano.

..............................................................

É saudável e enriquecedor desfrutar da companhia de vocês,

Confrades e confreiras,

que com letras e palavras proporcionam

o sustento das sopas,

o ânimo dos sopros

e o consolo das lágrimas.

 

Desejo que nossa convivência frutifique

e arremedo Mário de Andrade,

“quero cercar-me de pessoas que saibam tocar no coração das pessoas”.

 

Despedindo-me,

em tempos de mascarados sem ser carnaval,

encareço relevarem se, porventura,

minhas palavras tenham chegado úmidas até vocês.

 É só soprar!    

Elas secam!

Hugo Bittencourt, cronista, vive em São Gonçalo dos Campos – BA

[email protected]

 

 

Nenhum comentário: