Embora vídeos e conteúdos que
rejeitem a gravidade da epidemia estejam perdendo impacto nas redes
sociais brasileiras, o compartilhamento de notícias falsas sobre curas
continua em grupos de WhatsApp, segundo monitoramento do Departamento de
Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas.
Enquanto
mentiras sobre tratamentos contra o vírus continuam circulando, as
autoridades reforçam que não existe no momento nenhuma cura para a
covid-9, causada pela variante do coronavírus sars-cov-2.
É
o que dizem a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Ministério da Saúde
brasileiro, a Sociedade Brasileira de Infectologia, médicos
epidemiologistas ouvidos pela BBC News Brasil e a comunidade científica
internacional como um todo.
Há diversas pesquisas sendo
feitas por cientistas no mundo todo sobre antivirais (que atacam
diretamente o vírus) e vacinas (que previnem, não curam), mas o caminho é
longo até que sejam consideradas comprovadas, testadas, consideradas
seguras e disponibilizadas ao público.
"Quando os tratamentos
forem comprovados como eficazes e seguros, forem testados, e estiverem
disponíveis para o público, vai haver uma divulgação massiva disso. Não é
uma notícia que ficará restrita ao compartilhamento em um grupo de
WhatsApp", afirma Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de
Ciências Biológicas da USP (Universidade de São Paulo) e presidente do
instituto de divulgação científica Questão de Ciência.
A covid-19 pode seguir dois caminhos em uma pessoa
contaminada, explica o médico Leandro Weissmann, consultor da Sociedade
Brasileira de Infectologia.
Ela pode gerar um quadro grave, em que
surgem diversas complicações, principalmente as respiratórias; ou pode
ser leve, gerando apenas os sintomas mais comuns de tosse seca e febre
ou mesmo sendo assintomática.
"Em ambos os casos, a resposta é
fazer o tratamento dos sintomas da doença e os problemas decorrentes",
explica Weissmann. "Nas pessoas doentes que se recuperam, a recuperação é
espontânea, ou seja, é o próprio sistema imunológico é que acaba
conseguindo combater o vírus."
Entenda o perigo de falsas curas e tratamentos sendo compartilhados na internet.
Por que as falsas curas são perigosas
Diversas das curas falsas sendo compartilhadas indicam substâncias que podem inclusive ser prejudiciais para o corpo.
"Esse tipo de mentira não é apenas ineficaz, é perigosa", afirma Pasternak.
É
o caso da chamada "água prateada", ou prata coloidal, que foi
falsamente chamada de "cura" para o coronavírus em postagens sendo
compartilhadas nas redes.
A substância nada mais é do que água
com prata, explica André Bacchi, professor de farmacologia na faculdade
de medicina da Universidade Federal de Rondonópolis.
Notícias falsas diziam que a "água prateada" seria capaz de "sufocar" o vírus e curar a infecção.
"Um
vírus não respira. Ele é um conjunto de material genético envolto por
uma cápsula, não é possível sufocá-lo" afirma Weissman.
Fora de um corpo, essa cápsula pode ser destruída com água e sabão e álcool gel, por exemplo.
Mas dentro do corpo, o combate ao vírus funciona de forma diferente.
"Para
combater o vírus dentro do corpo, a substância precisa ter uma forma de
ser absorvida, distribuída e de chegar aos locais onde vai atuar",
explica Bacchi.
A prata é uma substância usada em outras
situações, como em sistemas de filtragem de água, para remover
impurezas, diz o farmacologista. Mas não é capaz de destruir uma
infecção, se ingerida.
"Tomar água com prata é o equivalente a
achar que você pode tomar detergente para matar um vírus dentro de
você", diz ele. "Não só não vai curar a doença como vai te envenenar."
"A
prata é um metal, que pode se acumular no organismo, envenenando a
pessoa e alterando a tonalidade da pele permanentemente", explica.
Um
boletim da OMS divulgado no site da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) alerta para os riscos à saúde causados pela "ingestão
crônica da prata coloidal", com base em relatos de casos compilados na
Austrália.
Entre eles, o caso de "um garoto de cinco anos que
ingeriu prata coloidal diariamente por vários meses e apresentou
coloração acinzentada da pele e língua, e função hepática anormal". E o
de "um homem idoso, que ingeriu prata coloidal diariamente por seis
meses, e necessitou de internação hospitalar por fadiga debilitante
acompanhada de coloração azulada da pele, cardiomiopatia dilatada,
amnésia e fala incoerente".
Outra "cura" questionável é a dos
"combos de ervas" — plantas podem ter efeito no corpo, inclusive
negativos, mas nenhuma delas ou algum princípio ativo contido nelas foi
identificado como cura para o coronavírus até o momento.
"Muitos
medicamentos têm princípios ativos que vem de plantas", explica Bacchi,
"elas de fato podem ter um efeito no corpo, mas não é porque é natural
que faz bem."
"Alguns venenos vêm de plantas também", diz ele.
Falsa sensação de segurança
Muitas
das falsas curas sendo compartilhadas, no entanto, não fazem mal em si —
não envenenam o corpo, são apenas incapazes de curá-lo da infecção.
É o caso de alegações falsas de que óleos essenciais (óleos com aromas) ou gargarejo com água e vinagre curariam o vírus.
"Óleos
essenciais não têm nenhuma substância capaz de chegar às células e
alterar a forma como o vírus se reproduz ou destruí-lo", afirma Bacchi.
A água com vinagre também não mata o vírus na garganta, explicam os especialistas.
O
coronavírus é um vírus respiratório de que começar a infectar o corpo
pelo fundo do nariz e pela garganta, explicou William Schaffner,
professor de medicina preventiva e doenças infecciosas no Centro Médico
da Universidade Vanderbilt, nos EUA, em uma entrevista à BBC.
Mas
ele fica dentro das células, "sequestrando-as" para se reproduzir, e,
segundo Leandro Weissmann, gargarejar água com vinagre ou com qualquer
outra substância não é suficiente para destruí-lo.
Apesar de não
fazer mal em si, esse tipo de mentira gera um grande perigo para a saúde
pública, diz Natália Pasternak, porque gera uma falsa sensação de
segurança.
"A pessoa pode deixar de tomar os cuidados
necessários, deixar de buscar o tratamento correto, achar que se curou e
contaminar outras pessoas", afirma ela.
Homeopatia não cura infecção por coronavírus
Outra
falsa alegação do tipo sendo compartilhada nas redes sociais é de que é
possível tratar a infecção de coronavírus com medicamentos
homeopáticos.
"A homeopatia pode gerar o efeito placebo (quando
você tem uma pequena melhora nos sintomas por acreditar que está tomando
um remédio eficaz), mascarando sintomas e atrasando o diagnóstico de
doenças" diz Pasternak.
A própria Associação Brasileira de Médicos
Homeopatas (ABMH) explica que não existe um tratamento homeopático
capaz de curar o coronavírus.
"Não é adequado veicular que é
possível tratar a infecção de coronavírus com medicamentos
homeopáticos", afirma Luiz Darcy Gonçalves Siqueira, presidente da ABMH.
"Até o momento, a gente não pode falar de nenhum tratamento específico de homeopatia para o coronavírus", diz ele.
O Ministério da Saúde também garante que a homeopatia não é capaz de curar a infecção por coronavírus.
"O
Ministério da Saúde esclarece que, até o momento, não há nenhum
medicamento, substância, vitamina, alimento específico ou vacina que
possa prevenir a infecção pelo coronavírus", diz a pasta em nota.
"A
homeopatia é uma 'filosofia' de que seria possível curar semelhante com
semelhante através da diluição infinitesimal de um princípio ativo na
água", explica André Bacchi.
"A diluição é feita tantas vezes
que, se você analisa o remédio quimicamente, não encontra o princípio
ativo que supostamente estaria ali", afirma.
Muitos homeopatas
defendem que de fato é possível que não se encontre o princípio ativo no
remédio e que através da diluição o princípio ativo se perca, mas que a
água guarda "uma memória" desse princípio capaz de auxiliar o corpo no
tratamento.
"Mas quando a gente faz os estudos clínicos com o
rigor científico necessário, não consegue mostrar superioridade da
homeopatia ao placebo", explica Bacchi.
Luiz Darcy Gonçalves
Siqueira, da ABMH, defende a prática da homeopatia no tratamento do
paciente como um todo, dizendo que há estudos que comprovam sua
eficácia. Mas, divergências à parte, tanto quem rejeita a homeopatia
como um todo quanto a Associação Brasileira de Médicos Homeopatas
concordam: o tratamento não cura o coronavírus.
O Ministério da
Saúde informou ainda que, atualmente, diversas prática alternativas
oferecidas no SUS, incluindo a homeopatia, passam por uma revisão
técnica.
"A pasta irá manter na lista dos serviços ofertados as
práticas que obtiverem evidências científicas sólidas de efetividade
comprovada para a prevenção de doenças e, também, como tratamento
complementar à medicina tradicional para uma série de agravos", diz em
nota.
Por que algumas pessoas dizem se sentir melhor ao tomar esses falsos remédios?
Os médicos e cientistas explicam que há diversos motivos que fazem com que pareça que tratamentos falsos são eficazes.
O
principal é o efeito placebo. "A pessoa acha que está recebendo um
remédio, e graças a um condicionamento do corpo, é ativado esse efeito,
que de fato pode diminuir a dor", explica ela.
"Mas não é consistente, não funciona igual para todo mundo — depende do quanto a pessoa é sugestionável ou não", afirma.
Ou possível explicação é a resolução espontânea de doenças, afirma.
"Há algumas doenças que passam sozinhas como gripes, resfriados", diz.
O coronavírus também tem uma melhora espontânea nos casos que não são graves, explica o infectologista Leandro Weissmann.
Pasternak
afirma que isso pode causar muita confusão em quem toma um desses
falsos tratamentos bem no momento em que o quadro da doença começa a
melhorar.
"Algumas doenças, como certas dermatites, as pessoas
têm durante anos e elas já iam se curar sozinhas depois de certa idade,
mas a pessoa toma alguma coisa bem naquela época e acha que foi aquilo
que curou", afirma.
"Isso confunde muito o público que não tem a prática de testar medicamento", diz
É
por isso que, especialmente no caso de uma epidemia grave como a atual,
é preciso tomar cuidado para não acreditar em relatos de WhatsApp, mas
sim, em fontes médicas e científicas confiáveis, afirma Pasternak.(BBC News Brasil)
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