Onde está a luz no fim do túnel da pandemia de coronavírus,
que já infectou em torno de 500 mil pessoas ao redor do mundo? Em que
momento quase 3 bilhões de pessoas vão poder sair de casa normalmente
sem medo de ficar doente?
Para responder isso, precisamos de menos
incerteza ao fazer, por exemplo, cada vez mais testes para determinar
quem está infectado, medida que pode aplacar a preocupação de muita
gente e garantir uma estratégia eficiente de combate ao vírus, como na
Coreia do Sul.
Mas uma das respostas que podem marcar uma virada
nessa pandemia, junto com remédios e vacinas que funcionem, passa não
por quantas pessoas estão doentes hoje, mas por quantas já enfrentaram
silenciosamente o vírus e sequer perceberam.
Uma busca em massa por anticorpos nas pessoas pode permitir
descobrir se todos esses números de infectados e mortos que crescem a
cada dia são apenas a ponta de um iceberg.
Se for o caso,
será possível tirar duas conclusões. A primeira é que a taxa de
mortalidade, hoje estimada em cerca de 3,4% pela Organização Mundial da
Saúde (OMS), pode ser bem menor do que se sabe.
A segunda é que
milhões de pessoas podem já ter contraído o vírus, desenvolvido algum
grau de imunidade e, portanto, não precisariam ficar isoladas.
Essa
informação pode influenciar decisões políticas e determinar se o
principal "remédio" adotado pelas autoridades contra essa crise — no
caso, quarentenas de quase 3 bilhões de pessoas — está na dose certa ou
se ele vai ser pior que a doença e matar o paciente, como tem se
questionado, a exemplo do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
O
debate em torno da real gravidade do novo coronavírus, que matou quase
24 mil pessoas desde dezembro, se agrava ainda mais porque trata de
vidas humanas.
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Testes para detectar o coronavírus no momento podem ser feitos com base em amostras de secreção respiratória |
Minoria reage a confinamentos
Há
uma grande divergência entre basicamente dois grupos. De um lado, uma
pequena minoria que inclui os presidentes de Estados Unidos, Brasil e
México e alguns especialistas. De outro, amplamente majoritário, estão
mais de cem líderes mundiais, a OMS e a maioria dos pesquisadores.
O
primeiro grupo, no qual estão Donald Trump e Jair Bolsonaro, defende
que os dados disponíveis, ainda que escassos, apontam que a doença não é
tão devastadora para a população em geral. Ela se parece com a gripe
(ou uma "gripezinha") que circula todo ano. Por isso, seria possível
contê-la sem tamanha perda econômica.
Ou seja, argumentam eles,
qual é a necessidade de confinar a população inteira se apenas uma
minúscula parcela corre de fato o risco de morrer? No caso, as pessoas
com mais de 60 anos e aquelas com condições pré-existentes, como doenças
cardíacas e diabetes.
Segundo a abordagem defendida por esse
grupo minoritário, chamada de isolamento vertical, bastaria proteger os
mais vulneráveis e retomar a vida do restante da sociedade até que todo
mundo fique imunizado com conta própria.
A conta é que, quando
mais de 50% da população estiver imunizada, seria como se todos
estivessem vacinados. Ocorreria a chamada "imunidade de grupo ou de
rebanho", na qual a imunidade de um acaba protegendo o outro por reduzir
a cadeia de transmissão do vírus.
É importante deixar claro que
ainda há dúvidas se de fato as pessoas que tiveram a doença uma vez a
não terão de novo, como em geral acontece. Saber isso é chave nesse
debate.
Os anticorpos são uma espécie de memória de batalha do
nosso corpo contra um invasor. Em geral, a gente o derrota uma vez e não
se esquece como faz isso.
O problema é que essa imunidade nem
sempre ocorre ou é completa. O sarampo tem, por exemplo, a capacidade de
fazer o corpo se esquecer de como o combater.
Por outro lado, a
grande maioria das autoridades e de especialistas defende que a falta de
dados não permite tirar conclusões precipitadas que podem levar ao
colapso do sistema de saúde, mesmo que todo esse confinamento gere
enormes custos econômicos.
Para esse segundo grupo, não se trata
de um cenário hipotético baseado em modelos matemáticos, mas da
realidade, e equívocos aqui podem levar à morte de milhares ou milhões
de pessoas. Ou seja, uma "gripezinha" seria capaz de lotar hospitais ao
redor do mundo de uma forma sem precedentes na história recente.
Não
há até o momento qualquer remédio, vacina ou certezas sobre o novo
coronavírus. Por isso, o mundo tem se isolado para evitar que as pessoas
transmitam a doença entre umas para as outras e que muita gente fique
doente ao mesmo tempo, impedindo que o sistema de saúde tenha a
capacidade de atender todo mundo.
Anticorpos podem influenciar debate
Há então como sair desse impasse? Ou essa situação de confinamento durará meses ou até anos?
Bem,
uma saída que vem sendo discutida em alguns lugares do mundo,
principalmente no Reino Unido, é o teste sorológico massivo e
controlado, feito a partir de amostras de sangue, para encontrar nas
pessoas anticorpos ligados ao novo coronavírus.
Diversos países
estão desenvolvendo e investindo nesses testes, entre eles o Brasil.
Especialistas ressaltam que é essencial que essas análises sejam seguras
e confiáveis, sem falsos positivos ou falsos negativos, que poderiam
ter consequências catastróficas, como expor à contaminação alguém que
acredite falsamente que está imune.
O governo britânico decidiu
comprar 3,5 milhões de unidades destes testes. A estratégia pode
envolver enviar esse material para a casa de habitantes selecionados a
fim de tentar descobrir de fato quantas pessoas contraíram o vírus sem
saber.
Há uma pequena parcela de pesquisadores que estima que o
número de pessoas infectadas que podem já ter adquirido imunidade pode
ser dez, cem, mil vezes maior. Ou que a doença mata uma pessoa a cada
cem, uma a cada mil ou uma a cada dez mil, como uma gripe.
Para o
primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o resultado desse
experimento pode vir a representar uma grande virada na estratégia de
combate à pandemia. Se descobrirmos que a maioria da população já teve
contato com o vírus, as medidas de distanciamento social poderiam até
ser flexibilizadas ou extintas.
Em última instância, no cenário
mais otimista, isso poderia levar à reabertura de lojas, escolas e
locais de trabalho, por exemplo.
Para se ter uma ideia, pesquisadores de Oxford
estimaram em um exercício teórico que até metade do Reino Unido já pode
contraído o vírus. Mas isso é apenas uma hipótese. Só esses testes
massivos e controlados com anticorpos poderão esclarecer isso.
Esses
testos sorológicos são importantes também para as equipes de saúde
serem monitoradas constantemente e evitar que elas contaminem outras
pessoas ou sejam contaminadas.
E se esse experimento não encontrar
um percentual expressivo de pessoas com anticorpos? Isso não deixa de
ser uma informação extremamente relevante também. Caso se confirme essa
hipótese, teremos ainda mais certezas sobre:
- a importância do
distanciamento social para evitar a disseminação da doença e todas as
medidas de higiene recomendas, como lavar as mãos com sabão por ao menos
20 segundos;
- o investimento e a mobilização inédita em testes
clínicos para encontrar possíveis tratamentos, já que nenhum até agora
foi aprovado para esse fim;
- e de que o desenvolvimento de uma
vacina é essencial, algo que pode levar no mínimo mais um ano, já que é
preciso garantir também que ela funcione e não tenha o efeito contrário,
de nos deixar mais vulneráveis ao vírus. (BBC News Brasil)
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