*Mudanças*
Hoje em dia, escrever passou a ser atividade de alto risco.
O esforço eufemístico de lançar mão de locuções
ou acepções mais agradáveis, menos discriminatórias, pesa quando nos dispomos a
colocar ideias no papel.
Ao deparar-me com pessoa inválida, sem uma perna por exemplo, de imediato lembro a palavra “aleijado”; aí, tenho que repensar ser “deficiente físico”; dar outra volta e, como ora se considera, ver em dita pessoa ser uma “portadora de necessidades especiais”.
Quando eu pequeno, quem fosse privado
da visão era cego; hoje, “portador de deficiência visual”.
Negro era preto. Errado, então, por uma
questão cromático-semântica. Preto é cor, não é raça. No presente, o politicamente
correto é referir-se ao negro como afrodescendente.
Querem mais? Fazenda de cacau tem sido
tratada como “floresta de chocolate” e telefone converteu-se em portal de voz.
O verbo judiar, sinônimo de maltratar, passou
a ser evitado, posto ser visto como discriminatório à raça judaica.
Quem cabelos não tivesse, era careca no
dia a dia e calvo nos momentos sociais. Não nos surpreendamos, se amanhã ou
depois deva ser algo parecido com ‘portador de deficiência capilar’. Penso
ainda, que gordo passará ser ‘magro fora de forma’.
Invasor de propriedade alheia era
bandido. Hoje, é membro do MST, sim senhor.
Os velhos eram simples e carinhosamente
velhos. Agora, idosos.
Vagabundo era salafrário ou vagabundo
mesmo. Nos dias correntes, a depender da idade, poderá ser ‘carente de redirecionamento
familiar’ ou portador de ‘síndrome de família desajustada’.
Século passado, pais davam palmadas em filhos
e não tinham nem deixavam complexos disso ou daquilo. No presente, poderão ser
conduzidos à delegacia mais próxima.
Em
minha infância, charutos eram aceitos e encarados como diferenciado modo de
viver. Ora, desfrutá-lo - exceção em alguns bravos redutos - é quase impossível.
Resta-nos esperar, quando tais ventos orientem como deveremos chamar ao mineiro escultor “Aleijadinho”; impeçam escrever o que pensamos ou, ainda, proíbam-nos curtir nossos charutos onde residimos.
Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.
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