sábado, 12 de março de 2022

 


*Mudanças*

 Hoje em dia, escrever passou a ser atividade de alto risco.

O esforço eufemístico de lançar mão de locuções ou acepções mais agradáveis, menos discriminatórias, pesa quando nos dispomos a colocar ideias no papel.

Ao deparar-me com pessoa inválida, sem uma perna por exemplo, de imediato lembro a palavra “aleijado”; aí, tenho que repensar ser “deficiente físico”; dar outra volta e, como ora se considera, ver em dita pessoa ser uma “portadora de necessidades especiais”.

Quando eu pequeno, quem fosse privado da visão era cego; hoje, “portador de deficiência visual”.

Negro era preto. Errado, então, por uma questão cromático-semântica. Preto é cor, não é raça. No presente, o politicamente correto é referir-se ao negro como afrodescendente.

Querem mais? Fazenda de cacau tem sido tratada como “floresta de chocolate” e telefone converteu-se em portal de voz.

O verbo judiar, sinônimo de maltratar, passou a ser evitado, posto ser visto como discriminatório à raça judaica.

Quem cabelos não tivesse, era careca no dia a dia e calvo nos momentos sociais. Não nos surpreendamos, se amanhã ou depois deva ser algo parecido com ‘portador de deficiência capilar’. Penso ainda, que gordo passará ser ‘magro fora de forma’.

Invasor de propriedade alheia era bandido. Hoje, é membro do MST, sim senhor.

Os velhos eram simples e carinhosamente velhos. Agora, idosos.

Vagabundo era salafrário ou vagabundo mesmo. Nos dias correntes, a depender da idade, poderá ser ‘carente de redirecionamento familiar’ ou portador de ‘síndrome de família desajustada’.

Século passado, pais davam palmadas em filhos e não tinham nem deixavam complexos disso ou daquilo. No presente, poderão ser conduzidos à delegacia mais próxima.

Em minha infância, charutos eram aceitos e encarados como diferenciado modo de viver. Ora, desfrutá-lo - exceção em alguns bravos redutos - é quase impossível.

Resta-nos esperar, quando tais ventos orientem como deveremos chamar ao mineiro escultor “Aleijadinho”; impeçam escrever o que pensamos ou, ainda, proíbam-nos curtir nossos charutos onde residimos.

 Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

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