domingo, 13 de março de 2022

 


* O Vento e a Pedra *

 

“No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho”

 Estive entre muitos cujas ventanias não alcançavam, talvez, o maior enigma drummondiano. Se o compreendi, agradeço a amigo de coração tripartite – ubaense, petropolitano e juiz-forense – o qual obsequiou-me, ao desabrochar a primavera de 2018, com o livro  “Maquinação do Mundo” de José Miguel Wisnik. Tal obra fez-me entender a pedra “no meio do caminho” (da vida) de Carlos Drummond de Andrade, cuja vastidão poética permite muitas entradas.

A pedra tinha nome: Pico do Cauê, hematita quase pura. Na visão do vate, parte de bucólico conjunto, o pico era “inerte, indestrutível, silencioso”. Após décadas de mineração, no lugar da montanha, “uma cratera de duzentos metros de profundidade, espécie de sino descomunal, arruinado e de ponta-cabeça. Desaparecera a pedra lembrada, “surdamente, nos versos do poeta.

No meio do caminho é algo além de um poema. Se musicado fosse, seria canção-protesto contra o sumiço da enorme pedra cuja exploração agitou, destruiu e atordoou, por dezenas de anos, a vida de Itabira. 

Na profundeza de meu íntimo, sonhos aprisionados no tempo eterno, quando em fuga, são dados a delirantes êxtases. Transmudam-se em cálida lufada, suave aragem concebida no âmago de meu ser, bafejando certas composições poéticas por mim amiúde visitadas.  Em recente aparição, tal zéfiro de meus fugazes sonhos tentou captar a mente do mineiro bardo ao poetar a pedra.

 No meio do caminho, noite antiga,

o vento viu-se, frente a frente,

com a poética pedra de Carlos Drummond.

 Inexperiente em voejar por trilhas pedregosas,

esbateu-se na insistente pedra do poeta de Itabira.

Pedra, graças à força das palavras,

desvestida de grandeza e significado.

 Uma singela pedra anônima, perdida ao meio do caminho,

dessas nas quais, em vida, por acaso tropeçamos.

 O sonho durou a eternidade de instantes.

 Ei-lo.

 

 Primórdios do tempo eterno.

O Vento primitivo tropeça na Pedra.

Ele, lépido, ágil, audacioso.

Ela, eternamente estática.

Ele, irado, verbaliza impropérios e chuta a Pedra.

Ela calada fica.

 Passam-se anos. Muitíssimos.

O Vento, espírito religioso, está mais contido.

Torna a tropeçar na Pedra eterna.

Evoca o Padre Eterno.

Eleva olhos e pensamento ao céu.

Atribui o choque à vontade de seu deus, Éolo.

 O sonho prossegue por mais séculos.

A Pedra, no mesmo lugar. Imóvel.

O Vento sopra como sempre, mas deu adeus a Éolo.

Vive, agora, no mundo sobrenatural da magia.

Ao tropeçar na Pedra, atribui à má intenção dela a causa do incidente.

 Por outras tantas eras, Vento e Pedra seguem seus fados.

O dela, parado no tempo.

O dele, em meu sonho, em outro estágio.

A rajada contra a Pedra lhe é indiferente.

O Vento aprendera a evitar a Pedra e seguir no tempo.

 Foi quando despertei. Iluminado.

O Vento conhecera a Sabedoria.

Aprendera a ser responsável por sua falta de cuidado.

 

          Minhas louras, libertas das garrafas-lâmpadas, agem como o gênio, atendem meus desejos. Para fabular algo, elas sabem tendo-se por anteparo o eternamente, fazer-se necessário éter na mente. Assim, em indecifrável magia, levam-me a exteriorizar aquilo de que meu ser está repleto.


 

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