* O Vento e a Pedra *
“No meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma
pedra no meio do caminho”
Estive entre muitos cujas ventanias não alcançavam, talvez, o maior enigma drummondiano. Se o compreendi, agradeço a amigo de coração tripartite – ubaense, petropolitano e juiz-forense – o qual obsequiou-me, ao desabrochar a primavera de 2018, com o livro “Maquinação do Mundo” de José Miguel Wisnik. Tal obra fez-me entender a pedra “no meio do caminho” (da vida) de Carlos Drummond de Andrade, cuja vastidão poética permite muitas entradas.
A pedra tinha nome: Pico
do Cauê, hematita quase pura. Na visão do vate, parte de bucólico conjunto, o
pico era “inerte, indestrutível, silencioso”. Após décadas de mineração, no lugar da montanha, “uma cratera de
duzentos metros de profundidade, espécie de sino descomunal, arruinado e de
ponta-cabeça”. Desaparecera a pedra
lembrada, “surdamente”, nos versos do
poeta.
“No meio do caminho” é algo além de um poema. Se musicado
fosse, seria canção-protesto contra o sumiço da enorme pedra cuja exploração
agitou, destruiu e atordoou, por dezenas de anos, a vida de Itabira.
Na profundeza de meu íntimo, sonhos aprisionados no tempo eterno, quando em fuga, são dados a delirantes êxtases. Transmudam-se em cálida lufada, suave aragem concebida no âmago de meu ser, bafejando certas composições poéticas por mim amiúde visitadas. Em recente aparição, tal zéfiro de meus fugazes sonhos tentou captar a mente do mineiro bardo ao poetar a pedra.
No meio do caminho, noite antiga,
o vento viu-se, frente a frente,
com a poética pedra de Carlos Drummond.
Inexperiente em voejar por trilhas pedregosas,
esbateu-se na insistente pedra do poeta de Itabira.
Pedra, graças à força das palavras,
desvestida de grandeza e significado.
Uma singela pedra anônima, perdida ao meio do caminho,
dessas nas quais, em vida, por acaso tropeçamos.
O sonho durou a eternidade de instantes.
Ei-lo.
Primórdios do tempo eterno.
O Vento primitivo tropeça na Pedra.
Ele, lépido, ágil, audacioso.
Ela, eternamente estática.
Ele, irado, verbaliza impropérios e chuta a Pedra.
Ela calada fica.
Passam-se anos. Muitíssimos.
O Vento, espírito religioso, está mais contido.
Torna a tropeçar na Pedra eterna.
Evoca o Padre Eterno.
Eleva olhos e pensamento ao céu.
Atribui o choque à vontade de seu deus, Éolo.
O sonho prossegue por mais séculos.
A Pedra, no mesmo lugar. Imóvel.
O Vento sopra como sempre, mas deu adeus a Éolo.
Vive, agora, no mundo sobrenatural da magia.
Ao tropeçar na Pedra, atribui à má intenção dela a causa do incidente.
Por outras tantas eras, Vento e Pedra seguem seus fados.
O dela, parado no tempo.
O dele, em meu sonho, em outro estágio.
A rajada contra a Pedra lhe é indiferente.
O Vento aprendera a evitar a Pedra e seguir no tempo.
Foi quando despertei. Iluminado.
O Vento conhecera a Sabedoria.
Aprendera a ser responsável por sua falta de cuidado.
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