segunda-feira, 14 de março de 2022

Segunda é dia de crônica.

 Girassóis nunca morrem antes do tempo

A Ucrânia produz girassóis; o inimigo, flores bélicas. Eles são pétalas; elas, pólvora e átomos. Os girassóis são breves, mas duram o bastante para irradiar o futuro; as flores bélicas são eternas, mas inválidas, pelo passado que irradiaram. Uns colhem as luzes dos deuses; outras, a escuridão dos demônios.
Girassóis florescem virados para a luz das estrelas; flores bélicas vicejam de costas para a liberdade. Girassóis inauguram vidas; flores bélicas as tiram. A primeira fertiliza o que houve e o que há; a outra esteriliza o havido e o porvir. Girassóis param o sol, para que ele possa fitá-los; flores bélicas o recobrem de poeira e cólera, para esconder o horror.
Girassóis escolhem para onde querem ir; flores bélicas vão para onde são mandadas. Girassóis não amputam existências; flores bélicas não deixam nenhuma a salvo. Os girassóis sempre são bem-vindos; flores bélicas nunca são esperadas. A luz dos girassóis aquece; a das flores bélicas queima. Uma florifica o olhar; a outra, cega.
Girassóis erguem campos; flores bélicas devastam territórios. Girassóis nos civilizam; flores bélicas nos barbarizam. Uma é de humanos; a outra, de desumanos. Girassóis têm o caule torto; flores bélicas, seus senhores. Girassóis vergam sob o peso de sua beleza; flores bélicas, sob a feiura do poder. Eles são sadios; elas, enfermas. Eles estão em quadros, para serem admirados; elas, na história, para serem ferozmente condenadas. Eles nos legam memórias; elas, ruínas.
Girassóis amenizam; flores bélicas dilaceram. Eles enfeitam crianças; elas, não as deixam crescer. Girassóis germinam de sementes; flores bélicas, de ambições. Eles são primaveras; elas, termobáricas. Girassóis são barricadas, abrigos, corredores; flores bélicas são arrasa-quarteirão. Eles são músicas executadas pelo vento; elas, o silêncio de ruas mortas. Girassóis são diálogos; flores bélicas, monólogos. Eles são um beijo de paz; elas, um urro de guerra.
Girassóis são cura; flores bélicas, morbígeras. Girassóis são salubres; flores bélicas, deletérias. Girassóis são livres; flores bélicas, tiranas. Flores bélicas podem muito mais que girassóis, mas, como estão nos ensinando os que resistem aos invasores, um girassol nunca morre antes do tempo.

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