segunda-feira, 21 de março de 2022

Crônica de segunda

 

Não Pode

Pipiu Bahia vive injuriado com um (mau) hábito dos baianos de dificultar, em vez de facilitar as coisas. Segundo ele, as duas palavras preferidas dos baianos são: “Não Pode”. Ele afirma isso citando exemplos. Aliás, eu mesmo já tive muitos exemplos dessa má vontade que as pessoas têm em resolver as coisas, facilitar a vida dos outros. Não por acaso, uma alemã que residia em Feira de Santana, se tornou minha cliente e amiga, depois que eu resolvi um problema pra ela. Ela ficou espantada por encontrar alguém por aqui que tomasse a iniciativa de resolver um problema pra outra pessoa, espontaneamente. “As pessoas aqui – disse ela- geralmente são muito ruins”.

Um dos exemplos que Pipiu cita, eu presenciei e até participei da “vingança”. Nós fomos a uma sorveteria para comprar algumas bolas de sorvete, mas esquecemos de levar o vasilhame e, nesse caso, a sorveteria não despachava apenas algumas bolas, só um quilo completo. Era sorvete demais, e a gente não queria. Pipiu então perguntou quanto custaria o quilo de sorvete se ele levasse o vasilhame, e quanto custaria se a sorveteria fornecesse o vasilhame. Constatou então que o vasilhame custaria cerca de R$1.

Então ele propôs pagar o vasilhame por fora e só levar quanto sorvete ele quisesse, pois um quilo, como já dissera, era demais. A garçonete, e até a dona da sorveteria, recusou a proposta. Ou levávamos um quilo, ou nada feito. Injuriado, Pipiu foi a um supermercado próximo comprar um vasilhame para não ceder ao capricho da dona da sorveteria. Mas não encontramos um vasilhame adequado. Aí, ele me pediu: “Cristóvam, vá lá, compre um quilo de sorvete. Eu não vou porque não quero nem olhar pra cara daquela mulher”.

E lá fui eu, comprar o bendito sorvete de Mangaba que ele tanto gosta. A mesma garçonete me atendeu e abriu um risinho zombeteiro quando eu pedi um quilo de sorvete de Mangaba. Só que quando ela foi pesar o sorvete, só tinha 700 gramas. Quando ela me informou que o sorvete que tinha não dava um quilo e perguntou se poderia completar com outro sabor, eu fui taxativo: “Não pode”! Estávamos vingados.

As vezes falta inteligência, mas, na maioria das vezes é má vontade, ruindade mesmo. Até hoje eu não me conformo com o caso de um cheque nominal a Maura, da mesma rede bancária onde tínhamos conta e que eu quis mandar pra ela, de Feira de Santana para Jequié. Quando a atendente disse “não pode”, eu questionei: Se o cheque de uma agência desta rede bancária, se é nominal a Maura Sérgia de Oliveira, que tem conta nesta mesma rede, por que, em nome de Deus, eu não posso mandar o cheque pra ela? A moça não tinha resposta, apenas repetia que “não pode”. Tem um amigo meu que até hoje ri quando lembra de mim, debruçado sobre o balcão tentando alcançar o pescoço da atendente. Não tenho paciência com burrice.

Certa vez eu e Maura paramos numa lanchonete em Santo Amaro e quando estávamos no balcão, uma pessoa entrou e pediu ao garçom um suco de cacau com graviola. O garçom informou que não podia, porque os clientes estavam reclamando que os sucos estavam saindo com sabor de uma fruta, mas, com cheiro de outra, porque os sucos eram batidos no mesmo copo de liquidificador. O proprietário da lanchonete havia comprado outros copos e havia determinado que cada um deveria servir a um tipo de fruta, não podendo misturar.

O cliente se rendeu ao argumento e já ia saindo sem beber o seu suco, quando Maura perguntou: “Moço, e se o senhor bater a graviola em um copo e o cacau em outro, ele não pode misturar os dois no copo em que vai beber?” Claro que podia. E o cliente ficou muito satisfeito. Era só uma questão de bom senso.

Mas, bom senso foi o que faltou ao balconista de uma lanchonete na Estação Rodoviária em Salvador. Uma amiga nossa foi comprar um sanduiche de queijo e o garçom disse que não saia, só misto. Ora – raciocinou ela – se tem misto, é porque tem queijo. Então ela disse ao garçom que pagaria um misto, mas que queria o pão fatiado apenas com queijo. O garçom disse: “Não pode”.

Entre intrigada e chateada ela decidiu: “Tá bem. O senhor então prepare o misto, mas, antes de levar ao forno me traga o sanduiche aqui pra eu ver”. O cara preparou e quando trouxe, ela o abriu, retirou o presunto, jogou no lixo e pediu: “Agora me esquente este sanduíche, por favor!” O garçom disse: “Não pode não, porque agora ficou de queijo!” 

NE: Crônica publicada no livro Sempre Livre - 2010

 

 

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