segunda-feira, 14 de março de 2022

Crônica de segunda

 

Segurucu

          Que Zico Sena não bate bem da bola todo mundo sabe, mas o que pouca gente sabe é que ele é motorista profissional e até pouco tempo prestava serviços para uma empresa de ônibus intermunicipal. E nós últimos tempos trabalhava em “Bacuraus”, que são aqueles ônibus que rodam nas madrugadas. Além dos carros velhos e desconfortáveis, seus usuários são os motoristas, cobradores, prostitutas, garçons, cozinheiras, leões de chácara, porteiros, foragidos, enfim, o bonde dos desvalidos.

         Acredita-se que ele não está mais na ativa por conta de umas quedas de asa que andou dando com um Bacurau pelas estradas da vida. As loucuras foram tantas que os passageiros, nem sempre queixosos, reclamaram com os donos do ônibus e eles, talvez receosos de problemas com as autoridades do setor, acabaram por demitir Zico Sena.

         Você devem estar se perguntando o que tem isso a ver com as “ondas” do rádio ou dos jornais, mas é que este fato me levou a lembrar de outro, desta vez envolvendo radialistas. Já faz muito tempo, mas quem trabalhava na Rádio Sociedade de Feria de Santana naquela época deve lembrar.

         Havia um “Peru de Rádio”, que é aquele cara que se aproxima dos radialistas e fica sempre “peruando” pelas emissoras para ver se consegui uma emprego, quem sabe até de radialista, pois naquele tempo o que contava era o dom e a competência do indivíduo para o exercício da profissão, e não diplomas ou certificados.

         Eu já não lembro o nome do “Peru” que vivia rondado a Sociedade, mas, sei que ele era um cara legal, simpático, e que todo mundo gostava dela, apesar de ser visível que ele tinha algo errado dentro da cabeça. Mas ele ajudava, enrolava fios, carregava equipamentos, fazia pequenos mandados, e divertia o pessoal nas mesas de bar com suas estórias e idéias mirabolantes.

         Bem que se tentou encaixar ele em alguma coisa que ele pudesse fazer na emissora. Mas logo ficou claro que ele não tinha aptidão para ser radialista, inclusive por conta da sua pouca instrução e conhecimentos. Quando ele disse que era motorista profissional, surgiu a sua oportunidade. A emissora estava precisando de um motorista. Amadeu Pitanga de Jesus (que saudades), o nosso velho “Pitanga” era o motorista da rádio, mas as equipes cresceram, a área de cobertura cresceu, e havia a necessidade de uma nova viatura com VHF.

         Solicitaram a Pitanga que levasse o rapaz para dar umas voltas pela cidade com o carro da Rádio, para avaliar se ele dirigia bem e se conhecia bem a cidade, pois é imperativo o motorista conhecer as mais longínquas localidades da periferia para conduzir as equipes de reportagem até os locais onde os fatos acontecem.

         Pitanga entregou o carro ao rapaz, sentou no banco do carona e mandou que ele entrasse pela avenida Presidente Dutra, seguindo em direção ao viaduto do Clube de Campo Cajueiro. Assim foi feito, mas, quando chegaram próximo ao viaduto e Pitanga lhe disse que subisse pelo viaduto para retornar em direção à rádio, ele não diminuiu a velocidade.

         Ele já estava manobrando para subir o viaduto quando Pitanga, assustado, gritou: Devagar, rapaz, assim o carro vai virar”! A última coisa que se lembrava, antes do capotamento, foi cara dizendo: “segurucu que a zorra já tá é virando”!

         Daquele dia em diante, “Segurucu” passou a ser seu apelido. Eu soube que há até pouco tempo ele era motorista de ônibus em Salvador. Crendeuspai!

(Crônica escrita em 2015)

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