terça-feira, 2 de maio de 2017

A pedra filosofal de meu pai


Ao que parece não só de poeta, médico e louco todos temos um pouco, mas, também, de conselheiro, filosofo e guia espiritual o universo está lotado, numa proliferação desenfreada como praga em capim. Talvez a vocação tenha nascido com o homem, logo depois do primeiro pensamento, ou da primeira carne assada no fogo primordial. Assim que a primeira faísca organizada e consciente percorreu os neurônios o homem primitivo deve ter pensado: quem sou eu, o que eu vou comer no jantar, e como posso ajudar aquela homo-sapiens gostosinha a se sentir melhor.
A partir daí a coisa só tomou corpo havendo gravuras nas pedras que não passam de relatos de autoajuda e valores comportamentais. Evidente que, com a migração pelas savanas e o canibalismo dos tiranossauros, nenhuma filosofia durava, até que, Thales de Mileto, lá pelos anos 600-500 a.C. organizou a bagunça e passou a ser considerado o primeiro filósofo. Ele dizia que muitas palavras não indicam necessariamente muita sabedoria – o que prova seu imenso senso de observação- e que devemos esperar de nosso filho o que fizemos com nosso pai. Confesso que torço para ele estar certo.

Não sei bem em que neurônio esta vontade de guiar a humanidade - quando muitas vezes não sabemos guiar nem uma bicicleta ou a própria vida - foi implantada, mas é atávico e cada um tem uma filosofia para chamar de sua. Ou propor aos outros. As correntes se dividiram em tantas que só com mapa náutico é possível navegar entre elas, socrático ou existencialmente, e, não se sabe bem, até agora, se elas contribuíram ou desnortearam ainda mais a humanidade. Como positivo, ao menos, geraram o divã, o café filosófico, algum sexo consentido, e alimentaram o comércio de livros.
Eu mesmo escolhi uma para seguir, embora o autor seja desconhecido da maioria. A de meu pai. Um gigante. Quando perguntaram a ele como ia mandar um filho de dez anos morar sozinho em uma pensão, em Salvador, sem telefone, sem conhecer ninguém, ele resumiu o que daria inúmeros tratados, uma cátedra, talvez, prêmios, em um precioso aforismo: o que precisa ser feito, tem de ser feito.
A realidade é que se fizéssemos o que precisa ser feito a cada momento a vida seria mais objetiva, conclusiva, realizadora, definitiva e com menos sofrimento. Meu pai seguiu rigorosamente seu princípio e me mostrou que a vida seguindo sua norma impôs desgastes, mas o levou ao sucesso e ao que buscava.
Confesso, algo frustrado, que não tenho a aderência que ele teve e que toda vez que não o sigo tenho um prejuízo maior do que se tivesse executado seu enunciado filosófico essencial e que recomendo a todos para viverem melhor: faça o que precisa ser feito.

Nenhum comentário: