quinta-feira, 4 de maio de 2017

As Crônicas de Feira:



A Feiticeira, o Bicho do Tomba e o Leão



            Quando eu era menino ouvia os adultos conversando sobre um Carro de Bois Fantasma cujo som melancólico das suas rodas invadia os ares das madrugadas, mas ninguém o localizava. Contam que homens sérios e valentes saiam em grupos para “caçar” o carro fantasma, seguiam seus sons, mas, quanto mais se aproximavam mais ele se distanciava. E ninguém nunca o viu. São lendas feirenses que todos comentam, mas nunca se encontrou nenhuma prova da veracidade delas.
            Eu também ouvi falar sobre a Feiticeira, ou melhor, Mãe de Santo, Helena do Bode. Essa eu conheci, a vi de perto, era uma mulher negra, gorda, cujos olhos eram esbugalhados e muito vermelhos, e era dona de um bode preto imenso, que ela tinha como bichinho de estimação. Muitas estórias escabrosas eu ouvi sobre ela, que, segundo os boatos, praticava magia negra, tinha pacto com o demônio, e que este se incorporava no Bode nas sessões de magia negra. Todos a temiam, inclusive eu, pois quando os adultos queriam me assustar, por conta de alguma peraltice, diziam que iriam me entregar a Helena do Bode. Um amigo meu, muito espirituoso, disse-me um dia. “Eu queria que um disco voador baixasse aqui em Feira pra eu botar na frente dos alienígenas Ivete Sangalo e Helena do Bode, e eu queria ver eles se convencerem que eram dois seres da mesma espécie e gênero”.
            Já adolescente, ouvi um boato de que um animal esquisito estava assombrando os moradores do então distante bairro do Tomba, antigo Morro do Macaco. O Tomba, que ganhou esse nome porque os trens da Leste Brasileiro que transitavam entre Feira e Cachoeira, eventualmente tombavam ali, talvez por alguma deficiência nos trilhos ou no terreno, era considerado Zona Rural. O trecho entre a estação da Leste, na Praça da Matriz e o Tomba, por onde os trens passavam era margeado por diversas pequenas propriedades rurais, chácaras, sítios e fazendas. Meu pai tinha uma fazendola próxima aonde hoje eu moro, no Jardim Acácia.
            A iluminação precária e o medo alimentavam os boatos sobre ataques ou perseguições do Bicho do Tomba contra os temerários que ousavam sair de casa após o escurecer. Mas, ninguém nunca viu ou capturou o “Bicho”. Que ganhou até livro de cordel e foi imortalizado no painel do artista plástico Lênio Braga, que orna uma parede da Estação Rodoviária de Feira de Santana. Na capa do livro há uma imagem concebida pela imaginação do autor sobre como seria o monstro. Certo dia de segunda-feira, eu transitava pela feira-livre nas imediações da Farmácia Agrário (mais tarde Bamerindus) quando vi e ouvi um vendedor de livros de cordel mercando o seu produto: “Olhaí o bicho que tá aparecendo no tomba, quem bate na mãe se arroba...”

            Nos anos 70 eis que surge a “Loira Sinistra”. Ninguém sabe de onde veio nem pra onde foi esse ser sombrio e volátil que rondava as escolas e era suspeita de raptar crianças e adolescente. Os relatos davam conta de que ela, sempre vestida de preto, muito loira e com maquiagem carregada, atraia meninas e meninos e sumia com eles no seu carro preto. Eu mesmo nunca soube de nenhuma queixa prestada por possíveis pais de crianças e adolescente raptados.
            Nos anos 80 começaram a surgir os primeiros relatos sobre animais (e, mais tarde, até pessoas) aparecendo mortos de forma misteriosa. As vítimas eram encontradas mutiladas nas mucosas labiais e genitais, com cortes de precisão cirúrgica, perfurações circulares, e as feridas pareciam cauterizadas. Como se não bastasse, sem uma gota de sangue em seus corpos. Surgia aí a lenda do Chupa Cabras, com aparições registradas em todo o globo terrestre e, é claro, diversas aparições em Feira de Santana.
            Estamos na segunda década dos anos 2000 E aparece um animal que ninguém até agora sabe o que é e as pessoas, sem muito o que fazer, publicam imagem montadas e informações falsas nas redes sociais, atrapalhando as investigações e colocando todos em risco. Sim, porque agora ninguém tem certeza se é apenas uma brincadeira de mau gosto, ou se há realmente algum animal perigoso rondando pela região da cidade de Serrinha. Um motorista de um açougue jura que viu um animal grande, provavelmente um felino, andando à frente do caminhão que dirigia, e logo surgiu o boato de que ele teria fugido do caminhão do circo Picolino, que nunca teve animais. Nem mesmo pulgas adestradas, quanto mais onças e leões.
            E aí, a paranoia geral começa a especular, dando explicações estapafúrdias, com imbecis colocando-se como senhores de grande conhecimento e ciência, e, de repente o felino passa a ser uma leoa, um cachorro, ou até mesmo uma paca. Eu espero mesmo que estes boateiros deem de cara com o bicho, se é que ele existe, é claro.

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