
É certo que os cientistas com seus aparelhos de
positrons e dosagens de neurotransmissores andam a desmistificar a
paixão, a transformá-la numa reação química de serotinina e dopamina,
com validade máxima de três anos, mas nem por isso vamos deixar que
levem para o cérebro nossa memória de amor. Não desembarquemos da nossa
Arca de Noé imaginária, em que as espécies entram aos casais e
sobrevivem, juntas, muito além do dilúvio e repovoam nossas esperanças,
mesmo sabendo que os advogados, já não esperam sequer que passe a chuva
das mais brandas, urgente que é, partir do outro.
É
imprescindível que possamos manter a capacidade de renúncia sem
ressentimentos, alegações, ou juízo de valor, e a humildade de
andarilhos de sandálias, que deve ter quem jura, aos luares, à boca
faminta das noites, ou aos suores dos corpos que é sim, o amor, que lhe
toma como viagem e sina.
Decerto que, por vezes, já nem há
mistérios na mulher que desabotoa o vestido para um homem, tantas vezes
que o gesto se repete; e os homens sequer sabem que as estrelas oscilam
todas, de leve, no céu, quando ela, somente ela, a mulher de tuas
procuras, te chama para dentro do seu próprio destino e gozo, mas nem
por isso deixemos de acreditar nas lágrimas das que choram nas entregas,
nas confissões dos amantes impossíveis, nem nos amores que se prometem
eternamente, porque é dele, deste orvalho e barro, que precisamos para
não nos tornarmos avessos ou secos de sentir.
Sei que é fato que o
amor começa e acaba, às vezes, no mesmo passo de dança, mas nem por
isso vamos deixar que nossas falhas de humano nos impeçam de reinventar o
sonhar de ontem, e exercitar o pertencer. E não esqueçamos que jamais
devemos perder o olhar inaugural, porque, perdido o primeiro olhar- e
ninguém mais olha do jeito que você olha-, todos os outros serão para
remover, dia a dia, um encanto, no delicado equilíbrio entre admirar e
luir, entre devoção e indiferença. Pois sabemos que o que salva é
frágil, impreciso, mas o que mata é exato. Seja a dor ou a palavra feia,
que nunca erra no peito, o coração.
Sei que é difícil, que as
fragilidades são golpes nas ilusões, e que não sabemos o cultivo exato
para amar e permanecer. E que, vida inteira, parece, a cada tempo, longa
demais, mas vos peço, como quem já cruzou às águas turvas e morou no
lado sagrado do coração, ah, eu peço mulheres, não se desfaçam de sua
rede de pescador.
Agora, que é dia dos namorados, amem e refaçam o
milagre de multiplicação dos peixes. E nunca deixem que, em seus olhos,
de oceanos perdidos e enfeites de corais, de danças rituais, de vagas
infinitesimais, se teça, apenas, a aspereza da realidade. Pois, ao lado,
ou em algum lugar, vindo de todas as encarnações de espera, te aguarda,
como um feitiço, um vento que margeia e corteja a lua, não mais teu
príncipe a cavalo, que os tempos são outros, mas o homem pra teu melhor
amor.
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