Julgar
pela aparência é uma temeridade, porque quase sempre as coisas não são o que
aparentam ser. Eu costumo brincar com meus amigos dizendo que as coisas sempre
custam mais dinheiro para mim, são mais caras. O que os outros compram por um
preço justo, eu sempre compro por uma exorbitância. “Devo ter aparência de rico”
– brinco. Certa vez, na loja de confecções em que era balconista, entrou um
negro, vestido de macacão e nenhum vendedor se aproximou dele. Eu tomei a
iniciativa e o cidadão me fez uma compra que valeu pelo mês inteiro. Ele era
petroleiro, estava saindo do trabalho e foi às compras para renovar seu guarda
roupa. Eu, que nunca liguei para aparências, me dei bem.
Certa
vez eu comprei um carro usado e o cidadão que me vendeu me disse que estava esperando
o documento chegar pois ele havia acabado de efetuar o licenciamento. Como eu o
conhecia, confiei. Demorou, e eu comecei a desconfiar das desculpas dele, e
quando o “apertei” e fui fundo no caso, ele confessou que estava tendo
problemas porque a documentação do carro estava toda complicada. Quando
investiguei, descobri que o carro fora envolvido em um acidente e não deveria
estar sequer rodando, e sim recolhido ao pátio da Ciretran. Policiais
desonestos haviam retirado o carro, recuperaram e o venderam sem documento.
Olha o tamanho da enconca! Quando meus amigos souberam, queriam que tomasse
medidas até absurdas contra quem me vendeu o carro. Como sempre faço, refleti,
me coloquei na situação do sujeito (que era péssima) e percebi que ele também
havia sido enganado. Tomei uma decisão. Vendi o carro para um ferro velho e
fiquei no “preju”. Me chamaram de “irmã Dulce”. Pode ser que eu seja mesmo um
tanto parecido com “Irmã Dulce”, mas por isso mesmo durmo com minha consciência
tranquila, em paz comigo mesmo, com meus semelhantes e com Deus.
Outro
tipo de preconceito é o que algumas pessoas pobres (de dinheiro e de espírito)
nutrem pelos ricos. Odeiam as pessoas ricas como se elas fossem o próprio
“Demo”. Mas, será mesmo que toda pessoa rica é ruim? Será que todos são ricos
porque roubaram ou exploraram seus semelhantes? Não creio. Conheço muita gente
rica, mas de excelente caráter, e muita gente pobre que “não vale o que o gato
enterra”. É uma questão de índole e da educação que recebem. Nos países desenvolvidos,
onde a Educação é prioridade máxima, quando alguém passa na rua com um carro
caro e bonito, o cidadão na calçada tem o seguinte pensamento: “Belo carro. Vou
trabalhar bastante para um dia poder comprar um daqueles”. Já aqui no Brasil o
pensamento é: “Que carrão. Aquele ali deve estar roubando muito”. É tudo fruto
da nossa menoridade, da nossa falta de conhecimento. Uma ignorância que faz
nossas mentes pequenas e nos torna mesquinhos. Temos o que fazemos por merecer.
“Ajuda-te, que os céus te ajudarão”, disse Jesus.
O
preconceito racial é outro resultado da nossa ignorância, vaidade e mesquinhez.
Por que devemos renegar o nosso semelhante que tem a cor da pele diferente da
nossa ou que nasceu mais ao Norte ou mais ao Sul do planeta? Na verdade, esse
tipo de preconceito é alimentado por questões político sociais, financeiras e
culturais. 90% das guerras acontecem por motivos financeiro, políticos,
religiosos e raciais. Quando Cortez e Pizarro invadiram e destruíram as cidades
dos Astecas, Incas e Maias, eles mataram os homens mulheres e crianças, não
porque eles tinham a cor da pele diferente, mas porque queriam os seus
tesouros. Embora fossem civilizações muito evoluídas científica e
espiritualmente, que tinham muitas coisas valiosas a ensinar aos europeus, eles
sucumbiram diante da ignorância, ganancia, selvageria e poder bélico superior
dos invasores.
Quando
os europeus chegaram à África, encontraram civilizações bem primitivas,
incapazes de se defender do seu poderio bélico. Mas os africanos não tinham
muitos tesouros, e que os invasores fizerem para não voltar de mãos vazias foi
escravizar homens e mulheres para executar trabalhos pesados, como animais. E
como tal eram tratados. Apesar da abolição da escravatura, o rancor permanece
até hoje, e agora o preconceito parte de ambos os lados. Há brancos odiando
negros e negros odiando brancos, e esse mal ainda necessitará de muitos séculos
para ser extirpado do seio das sociedades civilizadas atuais. Afirmo essas
coisas com a autoridade de quem, sendo branco, já sofreu preconceito por parte
de negros, e vivenciou por toda a vida esse ódio entre irmãos, filhos de Deus.
Só através da educação, do exemplo partindo de autoridades brancas e negras, se
encontrará um caminho para o fim deste preconceito. Assim como falei dos ricos
e dos pobres, há gente boa e ruim dos dois lados.
Me
sinto livre para falar porque Deus me abençoou de diversas formas. A primeira
delas foi quando me fez nascer pobre e ser adotado por uma família rica. Depois
me fiz pobre por escolha, cheguei a ganhar dinheiro com meus esforços, quebrei
e fiquei pobre outra vez. Por muito menos do que eu passei, vi pessoas se
suicidarem. Eu permaneço aqui, firme e forte na minha fé em Jesus, que me fez
compreender de que preciso somente do necessário para ser feliz. Nem mais, nem
menos, só o necessário. A outra forma com que fui agraciado foi o fato da minha
mãe biológica ter se separado do meu pai e se casado com um negro. Tenho quatro
irmãos negros. Três homens e uma linda mulata. Quanto à minha cor, eu não ligo
muito pra ela. Uma vez eu cantei uma garota e ela me disse: “Sai daqui seu
amarelo empapuçado”. Pronto. Nem preto nem branco. Estava definida a minha cor.
Ora, deixemos de coisas e vamos viver que é melhor. O importante é como nos
sentimos. Gosto muito de uma música dos Mutantes que diz assim: “Se eles são
bonitos, sou Alain Delon. Se eles são famosos, sou Napoleão. Se eles têm três
carros, eu posso voar. Se eles rezam muito, eu já estou no céu. Mais louco é
quem me diz que não é feliz. Eu, sou feliz”!
* Do livro Soltando as Amarras de Cristóvam Aguiar. Click no link e baixe o livro completo.
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