O primeiro caso de covid-19 no
Brasil foi confirmado em 26 de fevereiro, e as medidas de isolamento
social começaram ser adotadas em meados de março.
Passados quase
três meses, nada indica que já passamos do pico da pandemia. Na verdade,
recordes de casos e mortes em um único dia foram registrados na última
semana.
Como vamos saber quando a pandemia chegou ao seu auge por aqui? Ou melhor ainda: que o pior finalmente já passou?
Antes, é importante entender que falar em um único pico no
Brasil, um país de tamanho continental, é como falar em um único pico
para toda a Europa.
"Não existe uma epidemia única no Brasil.
Temos uma pandemia composta por diversas epidemias locais, com padrões
diferentes", diz Márcio Sommer Bittencourt, médico do centro de pesquisa
clínica e epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de
São Paulo (USP).
Isso
significa que devemos olhar a evolução do coronavírus em cada Estado —
ou mesmo em diferentes regiões dentro de um mesmo Estado —, ainda que
seja inevitável falar também em uma média para o país.
Os
cientistas também ressaltam que é mais fácil identificar o auge de uma
pandemia quando já passamos dela e vemos que houve uma redução
consistente de alguns índices-chave, como os três listados abaixo.
O número de novos casos e mortes por dia
O
primeiro deles são as estatísticas oficiais de novos casos e mortes
registrados por dia. Enquanto esses números estiverem crescendo, não dá
para dizer que passamos do pico.
E a queda não pode ser pontual.
Deve se manter por pelo menos duas semanas, período de incubação do novo
coronavírus e tempo que os epidemiologistas consideram suficiente para
saber que não foi só uma oscilação.
Isso ainda não aconteceu no
Brasil, diz Domingos Alves, professor da Faculdade Medicina da USP em
Ribeirão Preto e colaborador do portal Covid-19, que monitora a pandemia
no país.
"Não observamos ainda em nenhum Estado uma queda sustentada desses números."
Alves explica que a pandemia estava mais concentrada
nas capitais do Brasil até o meio de maio e, desde então, passou a
avançar no interior.
Isso faz com que a tendência geral do país seja de piora neste momento, diz o pesquisador.
"Os
números de novos casos e mortes não estão só aumentando. Esse
crescimento também está acelerando. Nessa toada, o pico só deve ocorrer
entre o meio e o final de agosto."
A taxa de reprodução do vírus
Um
segundo índice usado por epidemiologistas para saber o rumo de uma
pandemia é a taxa de reprodução de um vírus, também conhecida como Rt.
O
nome parece complicado, mas o conceito é simples: ela indica quantas
pessoas em média são infectadas por alguém que já está contaminado pelo
novo coronavírus, o Sars-CoV-2.
"O Rt indica o quanto a doença está desacelerando ou acelerando", diz Bittencourt.
Quando
este índice estiver caindo e se aproximando de 1, mais próximo estamos
do pico da epidemia. E só podemos dizer que passamos dele quando o
índice fica abaixo de 1 por um período consistente.
"Todos os
cálculos continuam indicando que o Rt no Brasil continua acima de 1",
diz o epidemiologista Antonio Moura da Silva, professor da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA).
O monitoramento feito por
pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ) indica que a taxa está em queda desde o final de abril.
Mas
os dados mais atuais apontam que ela ainda fica acima de 1 em quase
todos os Estados, com exceção do Amazonas (0,96), Pernambuco (0,95) e
Rio Grande do Norte (0,93).
Para pensar em uma reabertura, o
ideal é ao menos ter a taxa controlada próximo de 1 ou
"confortavelmente" abaixo de 0,8, diz Renato Coutinho, professor da
Universidade Federal do ABC e integrante do Observatório Covid-19, um
grupo de pesquisadores que faz análises sobre a pandemia.
"Quando fizeram isso em Wuhan, na China, estava em 0,3. E, na Alemanha, em 0,75."
Os casos de síndrome respiratória aguda grave
No
Brasil, onde são feitos poucos testes de covid-19 em comparação com
outros países, outro índice ganhou importância no acompanhamento da
evolução da pandemia.
Os casos de síndrome respiratória aguda
grave (sdrag) são notificados oficialmente pelos hospitais no Brasil
desde a pandemia de H1N1 em 2009.
Esse dado não é afetado pelos problemas ligados à
baixa testagem, como a subnotificação de covid-19, porque a síndrome
respiratória só depende de exames clínicos para ser diagnosticada.
"Podemos
olhar esse dado como um bom termômetro do que está acontecendo na
pandemia", diz Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe.
Até agora,
em 2020, foram notificados 159 mil casos de sdrag, quatro vezes mais do
que em 2019. Desse total, 63 mil testaram positivo para algum vírus, e,
em 98% deles, o resultado foi o novo coronavírus.
O Infogripe aponta ainda que as epidemias em diferentes partes do país também estão em momentos diferentes.
Os
sinais são de estabilização no Sudeste e de queda no Norte e Nordeste.
Mas a epidemia está crescendo no Sul e no Centro-Oeste.
No geral, o
sistema da Fiocruz indica que a tendência geral no país é de
estabilização das novas notificações de sdrag, ainda que em um patamar
muito acima do normal.
"Mas ainda não podemos fincar uma bandeira e
dizer que chegamos ao pico, porque esse processo depende muito do que
vamos fazer agora", afirma Gomes.
A flexibilização recente das
medidas de distanciamento social vai facilitar o contágio enquanto o
vírus ainda estiver circulando amplamente.
"E aí, o que poderia
ser um pico, pode deixar de ser. Mas, se mantivermos essas medidas, o
que é uma estabilização agora pode se transformar em uma queda", diz
Gomes.
"Tudo vai depender das nossas escolhas individuais e das políticas públicas." (BBC News Brasil)
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