sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Ler e escrever, o parto do porco-espinho

         Dei um texto no início do ano passado para uma turma de primeiro semestre ler. Um aluno levantou a mão rapidinho e perguntou bravo:
         - Eu sou obrigado a ler?
         - Não.
         A resposta deixou o restante da sala boquiaberta.
         - Se deu o texto, como não é obrigado a ler?!
         - Ninguém é obrigado a fazer nada que não queira. Quem sou eu para obrigar alguém a ler alguma coisa? Tem mais, ninguém aqui é obrigado a entrar na universidade, sentar aí para me ouvir falar, estudar, aprender, nada disso. Acho uma perda de tempo a pessoa ficar aí quatro anos "passando por tudo isso" sem ter essa obrigação.
         E já comecei a rir.
         - Mas, quando a esmola é muita, o cego desconfia. Lê quem quiser. Mas que eu vou cobrar na prova a leitura, isso eu vou. Eu ensino. Mas só aprende quem quiser.
         A disciplina era "História da Comunicação." Ali, naquele momento, veio a minha mente a História de muitas e muitas civilizações nas quais ler e escrever eram atos reservados apenas à classe dominante e aos abençoados pelos deuses. Os outros deveriam ficar na ignorância e fazer o que o poder mandava. As mulheres, então, umas coitadas. Em algumas civilizações, a mulher que pensasse em aprender a ler e escrever pagava por isso com a vida. Na Idade Média, seria chamada de bruxa, atada a um pedaço de madeira e incinerada viva. E quem achar que não era bem assim, que leia sobre o assunto rs.
         Mas havia quem aprendesse escondido. Havia quem contrabandeasse livros. Havia quem escondesse livros e houve até quem resolvesse traduzir a bíblia em latim para o idioma do País. Porque não adiantava apenas ler e escrever, também era precisa ler e escrever em latim. Assim começou a Reforma, que mudou algumas coisas no mundo.
         Sei que muitos e muitos governos contribuíram para que grande parte dos brasileiros não queira ler. Minha gente, eles fizeram o trabalho do poder direitinho rs. Muitas revoluções começaram a partir dos livros, sempre é preciso evitar isso. Como queimar livros dá trabalho e baixa o Ibope, o negócio é tirar o foco deles. Ninguém é obrigado a ler, assim como ninguém é obrigado a lutar por liberdade, igualdade ou fraternidade."

Professora Débora Cristine Rocha Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atua em Assessoria de Imprensa e Comunicação. Possui interesse em Ciências da Linguagem e Imagem (Fotografia, Cinema, Televisão e Mídia Digital).


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