quinta-feira, 3 de março de 2016

Seu Joãozinho na Princesa do Sertão


Amanhecia uma segunda-feira bonita e ardente, como todas as segundas-feiras no sertão brasileiro. Seu Joãozinho nem esperou ser acordado pelo trinar do seu canário de estimação. Acordou mais cedo que de costume. Precisava ir a Feira de Santana, a fim de encaminhar alguns documentos imprescindíveis e, para tanto, tinha de chegar o mais cedo possível, esperar a distribuição das fichas e aguardar ser atendido. E ainda diziam para Seu Joãozinho que naquele órgão que ele iria tudo era rápido.

Pegou a ficha de número 68. Dificilmente ele sairia dali antes do meio-dia. Suspirou fundo e esperou... esperou... esperou. Lá por volta das nove horas, Seu Joãozinho sentiu a clássica vontade de evacuar. Uma coisa normal. Até banal. O que ele não sabia é que aquela vontade de defecar seria o estopim para que viesse a detestar a nossa Princesa do Sertão.

Seu Joãozinho levantou-se de onde estava sentado, dirigiu-se ao balcão e indagou onde ficava o sanitário. A resposta foi aguda como uma flechada: “Senhor, aqui não temos sanitário público!”

Seu Joãozinho quis esbravejar, gritar que aquilo era um absurdo. Falar bem alto que um órgão como aquele teria a obrigação de possuir um sanitário público, mas a vontade aumentava cada vez mais e ele se calou. Lembrou que na noite anterior havia comido uma feijoada daquelas. E agora tinha de jogar fora o excesso.

Saiu do local andando devagar. Dor de barriga é assim. Se você fizer um esforço além do normal, “adeus viola”. Erguendo as vistas, viu um shopping bem à sua frente. Atravessou a rua e entrou sentindo as dores cada vez mais agudas. Tinha de manter a calma. Dentro do shopping, tinha de haver sanitários. Logo estaria leve e desabafado.

Enquanto dava os primeiros passos, ia meditando (parecendo até um filósofo – cá, cá, cá, cá!) acerca da importância de um bom “descarrego da consciência intestinal”.

Quando ia girando a maçaneta da porta do sanitário, viu um cartaz pregado na porta em letras garrafais: “Dirija-se à loja onde você foi atendido e apanhe as chaves”. Seu Joãozinho deu vontade de meter o pé na porta, abrir caminho e fazer o que, para ele, naquele momento, era a coisa mais importante do mundo. Depois, conteve seus impulsos. E se a porta não cedesse na primeira pesada? Seria o ápice da tragédia. Levariam-no preso por vandalismo e ainda por cima todo melado de cocô.

Respirou fundo mais uma vez. Lembrou que na cidade existia um mercado e, pela lógica, lá devia haver um sanitário público. Era só agüentar mais um pouquinho e tudo se resolveria. O sol causticante arrancava suor de sua fronte. Chegou à porta do MAP já quase apertando o bumbum com as mãos. Sabia que não suportaria mais um minuto. Avistou o sanitário e caminhou em sua direção com a avidez de um náufrago quando vê um barco salva-vidas. Agora o suor era frio. Seu Joãozinho sentia um misto de dor, ânsia e satisfação.

Chegando mais próximo, viu na entrada do sanitário uma catraca, um funcionário e uma tabela de preços indicando o valor da taxa para usá-lo.

Seu Joãozinho estava sem um conto de réis. Viera de carona e voltaria de carona. Desabou em um choro de indignação, raiva e inconformidade. O pranto afrouxou-lhe os músculos e em questão de segundos suas calças confundiram-se com as próprias fezes. Suas lágrimas e o terrível fedor invadiram o ambiente naquele instante.

Seu Joãozinho quis ser um inseto, quem sabe um pássaro e bater asas para nunca mais voltar a Feira de Santana...


Nenhum comentário: