quinta-feira, 16 de abril de 2020

Mandetta deixa Ministério da Saúde após um mês de conflito com Bolsonaro: relembre os principais choques


O médico e ex-deputado federal Luiz Henrique Mandetta não é mais o ministro da Saúde. A demissão foi anunciada pelo próprio ministro, no Twitter, nesta quinta-feira (16/04).
"Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde. Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e de planejar o enfrentamento da pandemia do coronavírus, o grande desafio que o nosso sistema de saúde está por enfrentar", disse ele na rede social.

Em outro tuíte, ele agradeceu à equipe com que trabalhou no ministério e desejou êxito ao sucessor.
Mandetta deixa o cargo depois de passar um mês sendo alvo da "fritura" do presidente da República.
No jargão de Brasília, o termo se refere a um conjunto de gestos (neste caso, do chefe do Executivo) que têm por objetivo sinalizar o desapreço ou desconfiança em um subordinado.
A relação entre o presidente e o agora ex-ministro já estava ruim, mas, segundo interlocutores de ambos, se tornou insustentável no domingo (12).
Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, Mandetta disse que esperava que ele e o presidente da República pudessem ter "uma fala única, unificada".
Depois da entrevista ao Fantástico, Mandetta deixou de contar com o apoio da ala militar do Palácio do Planalto, que até então vinha sendo a fiadora da sua permanência no cargo.
"Isso (a divergência entre ele e Bolsonaro) leva para o brasileiro uma dubiedade: ele não sabe se escuta o ministro da Saúde, se ele escuta o presidente (da República), quem é que ele escuta", disse Mandetta, referindo-se às falas do presidente contra as medidas de isolamento social, defendidas pelo Ministério e por ele.

Esvaziamento e tensão

Além do isolamento, os dois também divergem em outro assunto: o uso da cloroquina para o tratamento da doença provocada pelo novo coronavírus.
O presidente da República vem defendendo, inclusive em pronunciamentos em rede nacional, que a droga seja usada desde os primeiros sintomas da covid-19. Já o protocolo atual do Ministério da Saúde é de que a droga só seja usada em casos graves e de pacientes internados.
Bolsonaro e Mandetta se conhecem há anos - os dois foram contemporâneos na Câmara dos Deputados desde 2011, e seus gabinetes ficavam a poucos metros um do outro. Mas, desde o início da crise do novo coronavírus, Bolsonaro vem trabalhando para esvaziar politicamente o trabalho do ministro.
As altercações entre os dois remontam a meados do mês de março. No dia 15, um domingo, Bolsonaro decidiu interromper o isolamento no qual se encontrava após uma viagem aos Estados Unidos, para cumprimentar manifestantes em frente ao palácio da Alvorada - a própria realização do protesto já contrariava as orientações do Ministério da Saúde, que já desaconselhava aglomerações.
Naquele momento, Bolsonaro já confidenciava a auxiliares que estava incomodado com o protagonismo de Mandetta diante da crise provocada pela chegada do novo coronavírus ao Brasil.
Naquela semana, o ministro concedeu uma entrevista a jornalistas ao lado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário político de Bolsonaro - e o gesto irritou profundamente o ocupante do Planalto.
O chefe do Executivo também teria demandado de Mandetta que adotasse um discurso político e mais afinado com o Palácio do Planalto. A recusa do ministro em fazê-lo contribuiu para aumentar o descontentamento de Bolsonaro.
A BBC News Brasil preparou uma retrospectiva dos principais momentos da "fritura" de Mandetta.
Abaixo, uma cronologia, a partir da demissão, dos principais lances na contenda entre o presidente e ministro.

Abril

Quinta-feira (16): Bolsonaro recebe um dos candidatos a substituto de Mandetta, o médico oncologista Nelson Teich. É o primeiro encontro do presidente com um possível substituto para o cargo.
Além dele, também estão cotados para a posição outros médicos. É o caso do cardiologista Otávio Berwanger (do Hospital Israelita Albert Einstein); de Claudio Lottenberg, presidente do Conselho do Einstein; e de Ludhmila Hajjar, cardiologista.

Quarta-feira (15): Mandetta admite pela primeira vez que deverá ser demitido em breve. A confissão foi feita durante uma reunião com deputados que integram uma comissão externa da Câmara, voltada para o acompanhamento da pandemia de covid-19.
No fim da tarde, Mandetta concedeu entrevista a jornalistas em tom de despedida. "Ele (Bolsonaro) claramente externa que quer outro tipo de posição do Ministério da Saúde. Eu, baseado em ciência, tenho esse caminho para oferecer. Fora desse caminho, tem que achar alternativas", disse.
No mesmo dia, o então secretário de Vigilância em Saúde do Ministério, Wanderson de Oliveira, chegou a pedir demissão - mas o pedido foi recusado por Mandetta.

Domingo (12): Em entrevista ao programa dominical Fantástico, da TV Globo, Mandetta disse que as diferenças de posicionamento entre ele e Bolsonaro estavam prejudicando o enfrentamento à pandemia.
A população estaria diante de uma "dubiedade" do governo, sem saber quais orientações seguir: as do Ministério da Saúde ou as do presidente da República.
"Ela (relação com Bolsonaro) preocupa porque a população olha e fala assim: 'olha, vem cá, será que o ministro da Saúde é contra o presidente, né?'. E não há ninguém contra ou a favor de nada. É o que eu digo, nosso inimigo, nosso adversário, quem a gente tem que ter foco para falar 'esse aqui é o nosso problema', é o coronavírus", disse Mandetta ao Fantástico.
A entrevista ao programa da Globo foi concedida do Palácio das Esmeraldas, sede do governo do Estado de Goiás - o governador do Estado, Ronaldo Caiado (DEM), rompeu publicamente com Bolsonaro por conta das posições do presidente diante da pandemia.

Sexta (10): Bolsonaro volta a dar um passeio por Brasília - provocando inclusive uma aglomeração de seus apoiadores, o que contraria as diretrizes do Ministério da Saúde. Naquele dia, o presidente da República foi ao Hospital das Forças Armadas (HFA); depois a uma farmácia no bairro Sudoeste de Brasília. Terminou o passeio com uma visita ao filho Jair Renan, que mora em um prédio residencial no mesmo bairro. (BBC News Brasil)

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