De domingo até a manhã da
terça-feira (01/09), a Bahia registrou 14 terremotos, todos na cidade de
Amargosa, Recôncavo do Estado, de acordo com a Rede Sismográfica
Brasileira (RSBR).
As imagens de imóveis danificados e prateleiras
de um mercado sendo chacoalhadas pelo abalo mais forte, que atingiu a
magnitude de 4.6 na Escala Richter, logo correram as redes sociais.
Muita gente achava se tratar de um fenômeno inédito, mas não era.
"Esses
abalos na região ocorrem com frequência e há muito tempo. Temos
registros de eventos pelo menos nos últimos 100 anos. Mas hoje temos
melhores instrumentos de registro e, com a expansão urbana e o aumento
da densidade populacional, as pessoas também sentem. Se onde hoje tem
uma casa há alguns anos era uma área verde, ninguém estava ali pra
sentir o tremor", observa a geóloga Simone Cruz, professora do Instituto
de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Igeo/Ufba) e
presidente da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG).
"Sabemos que este fenômeno é causado
pela dinâmica interna do planeta, com a movimentação de placas gerando
liberação de energia e resultando no terremoto. Mas apontar uma causa
específica para essa sequência de tremores ainda não é possível. Agora é
o momento de pesquisar."
Enxame sísmico'
A
sequência a que a pesquisadora se refere é chamada de "enxame sísmico".
Este é um fenômeno que se configura quando um terremoto não ocorre de
forma isolada. Ao contrário, são diversos abalos que surgem de maneira
associada. Um tremor inicia o processo e, como que ecoando o primeiro,
vão ocorrendo várias réplicas - ou terremotos secundários.
Carlos
Uchôa, professor de Geologia da Universidade Estadual de Feira de
Santana (Uefs/BA), diz que, cientificamente, não é possível saber quando
a terra terá liberado toda a energia e voltará a "adormecer".
Na
mesma região do Recôncavo Baiano, ele lembra, uma sequência de tremores
durou três dias em 2002. Na cidade de João Câmara (RN), entretanto, um
enxame de abalos sísmicos levou três anos para se dissipar, de 1987 a
1989.
Acontece que tanto Amargosa quanto João Câmara estão
situadas em zonas chamadas de sismogênicas, ou seja, aquelas onde a
propensão a terremotos é maior.
No Brasil, as zonas mais ativas
estão no Nordeste, com destaque para a Bacia do Recôncavo, a região de
João Câmara e a área da cidade de Palhano (CE), onde em 1980 um
terremoto alcançou a magnitude de 5.2 e chegou a causar danos na
capital, Fortaleza, distante cerca de 150 quilômetros.
![]() |
Direito de imagem Edson Andrade/Dicom Prefeitura de Amargosa |
No domingo, moradores
de diversos bairros de Salvador relataram ter sentido os efeitos do
terremoto, mesmo com os cerca de 160 quilômetros que separam a capital
baiana de Amargosa.
O Brasil tem terremoto
"No
senso comum, costuma-se dizer que o Brasil não tem terremoto, mas tem
sim. O que o Brasil não tem, ou ainda não teve, são terremotos de grande
magnitude, como ocorre com frequência no Chile ou no Japão. Um desse de
4.6 ocorre umas 20 vezes por semana no Chile", afirma o geofísico
Sérgio Fontes, coordenador da RSBR.
Ele explica que o Brasil está
localizado sobre uma "área estável", diferentemente de países que estão
bem nas bordas das placas tectônicas, onde a movimentação é mais
frequente - e a consequente liberação de energia mais forte, gerando
terremotos com mais poder destrutivo.
Isso não quer dizer, no
entanto, que está tudo quieto sob os nossos pés. "Estamos no meio da
placa, na superfície não se vê nada, mas esses pedaços se movimentam e
acumulam tensão. Uma hora essa tensão precisa ser liberada e é daí que
vem o tremor", comenta Fontes.
Seu raciocínio é corroborado pela
pesquisadora Simone Cruz. Ela aponta que a Bacia do Recôncavo é formada
por rochas muito antigas, cristalinas, formadas quando o Brasil se
separou da África, a cerca de 120 milhões de anos. Há, no entanto,
fraturas que são tensionadas por outras estruturas geológicas, como a
Cordilheira dos Andes, de um lado, e a Dorsal Atlântica, do outro.
"Não
dá nem pra afirmar que não existe risco de um terremoto mais forte.
Estamos numa área mais estável, mas seria equivocado dizer que nunca
teremos um abalo tão intenso quanto vemos em outros locais", alerta
Cruz.
Sérgio Fontes completa: "Se houver um abalo mais forte
aqui, o estrago será bem grande, porque nossas cidades, nossas
edificações, não estão preparadas pra este tipo de fenômeno".
Rede de informações
![]() |
Direito de imagem Edson Andrade/Dicom Prefeitura de Amargosa |
Esta rede começou a ser criada no final da década de
2000 e alcançou a estrutura atual em 2015, após anos de investimento
público. Com os dados produzidos pela rede, os estudiosos conseguem
fazer análises mais precisas da situação sismológica brasileira sem
depender de informações internacionais, o que ajuda em diagnósticos e
eventuais ações preventivas.
Hoje, as instituições que integram a
RSBR são a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB) e o
Observatório Nacional, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
"Antes
dessa estrutura de estações, ficávamos no escuro. Hoje a gente produz
informações científicas inestimáveis e não podemos retroceder", afirma
Fontes, lamentando os sucessivos cortes de recursos que vêm atingindo a
entidade.
Simone Cruz também chama atenção para a importância do
investimento na produção de dados. "Somente com acompanhamento
sistemático a gente vai conseguir chegar ao ponto de indicar, por
exemplo, que uma área está sob risco e precisa ser evacuada
antecipadamente".
Ela enfatiza ainda que os órgãos de Defesa
Civil estaduais e municipais precisam ter capacitação para criar
protocolos e orientar a população.
A falta de
informação, diga-se, que foi o que ampliou o temor da professora Naira
Marambaia, que se mudou para Amargosa com a família há apenas 15 dias e
não conhecia o histórico sismológico da cidade.
No domingo, ela
foi despertada por um forte barulho e chegou a achar que a casa ao fundo
da sua estava desmoronando. Desesperada, foi para a rua junto com o
marido e o filho e encontrou toda a vizinhança em situação semelhante.
"Foi a pior sensação da minha vida. Eu nunca imaginei passar por uma
coisa dessa", conta.
O médico Vinicius Tapioca, por sua vez, já
estava calejado, mas mesmo assim ficou assustado. "Eu moro aqui em
Amargosa e já tinha sentido esse tremor outras vezes, mas esse de
domingo foi muito forte. Sacudiu muito, um movimento lateral. Felizmente
a minha casa não teve nada, mas muita gente teve prejuízo com esse
terremoto."
De acordo com a Prefeitura de Amargosa, foi realizada
uma vistoria nos imóveis atingidos e, até a manhã desta quarta-feira
(02/09), uma residência havia sido condenada. A família foi removida e
receberá uma assistência de aluguel social até que a prefeitura levante
recursos para reparo ou reconstrução do imóvel.
A casa de Naira
não sofreu danos, mas o susto foi tanto que, mais relaxada, ela chegou a
repensar a mudança recém-concretizada: "Eu brinquei com meu marido que
queria voltar pra Salvador. Não quero acordar com tudo tremendo de novo
não".(BBC News Brasil)
Nenhum comentário:
Postar um comentário